O psicanalista Robson Mello reservou algum tempo entre suas consultas para abordar o caso de repercussão nacional deflagrado neste mês, que resultou na prisão de um pai acusado de abusar sexualmente, há mais de uma década, de duas suas filhas, tendo inclusive três filhos com cada uma delas, frutos destes estupros.
Consternado com a situação, Mello analisa a situação do homem de 45 anos, tendo em vista tudo que foi relatado. “Dá para pensar na psicose, que é um grave transtorno psíquico em que o sujeito vive uma outra realidade, que é só dele”, diz. Porém, apesar dos fatos, o delegado Thiago de Freitas Nogueira relatou que, em depoimento, o homem afirmou ter conhecimento do que fez e que merece ser punido, aumentando a complexidade e diminuindo a chance de um diagnóstico mais exato da situação. “É uma coisa curiosa esta consciência clara do erro, mas teria que avaliá-lo para entender melhor, é difícil falar de diagnóstico”, explica Mello.
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O profissional comenta que, como as filhas cresceram nessa situação, provavelmente não tinham total consciência do que se passava e da gravidade da situação. “Para os filhos, o pai é uma autoridade e, se essa autoridade abusa, e esse abuso é reconhecido pela esposa, que era refém desse quadro, para as crianças é difícil”, relata e ainda prossegue. “As crianças têm um vínculo de afeto, elas imaginam que, se ele é meu pai, se ele está fazendo isso, é porque é o melhor para mim, se ele faz isso, deve ser por amor. As crianças obedecem aos adultos, para elas, fazia parte da vida delas serem objeto de abuso sexual do próprio pai”, diz.
Mello ainda frisa a dificuldade em entender como um caso deste porte passou sem ser descoberto durante tantos anos, mesmo tendo resultado em seis partos e em toda a suas complicações naturais. “Nós temos que nos perguntar onde está a política pública regional voltada para a saúde mental e onde estão os profissionais que se envolveram com essa família. Onde estão os responsáveis em uma situação dessas? Apesar destas pessoas estarem longe da cidade, elas estavam se relacionando, a família não estava vivendo em um outro planeta, e eles foram deixados à margem, esta situação traz isso à tona”, declara.
Tratamento
Quanto ao tratamento, Mello afirma que esse é um caso que foge de tudo e que merece um olhar particularizado. Ele comenta que todos deverão passar por uma avaliação psiquiátrica e psicológica para serem tratados, e que a ideia da família de deixar a cidade não irá resolver o problema. Para completar, o psicanalista deixa ainda uma reflexão. “Quantas outras famílias estão aí vivendo isso? Todo mundo deveria refletir sobre a sua parcela de culpa nesse caso, quando se silencia e se omite, acaba por alimentar a causa” finaliza.
Vida reclusa
No local onde a família vive, não existem residências aos lados, apenas alguns poucos vizinhos nas proximidades. Segundo relatos destes moradores, a família era pouco sociável, e dificilmente eles viam alguém da casa.
Os vizinhos dizem ainda que nunca desconfiaram de nada, e até mesmo ficaram muito surpresos quando descobriram tudo, através da imprensa. O fato da família trabalhar mais no interior ainda agravava a situação de distanciamento social.
Já relatos vindos do hospital local dão conta de que, como a família vivia no interior, provavelmente as jovens que sofreram os abusos e engravidaram não realizavam o serviço de pré-natal e vinham ao local apenas para realizar o parto. Como o hospital atende pelo SUS, tudo indica que as futuras mamães chegavam ali em cima da hora e, sem muitas explicações, o parto acabava sendo feito, o que corroborava com o sigilo do caso.