Você sabia? Produtores rurais ajudam a proteger o rio Vermelho e são recompensados financeiramente em São Bento

Famílias de São Bento mostram que preservar o meio ambiente pode garantir a segurança hídrica da cidade

• Atualizado 24 dias atrás.

PSA surgiu com objetivo de garantir a preservação do rio Vermelho, em parceria com produtores (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

Na área rural de São Bento do Sul, em meio a árvores, estradas de terra e pontes, existem famílias que ajudam a preservar a água que abastece a população da cidade, com mais de 86 mil habitantes. Anice e Clovis Flaukoski Wactawski são um exemplo desse trabalho. Agora, aos 77 anos, o casal já não planta mais no terreno como antigamente, deixando o espaço arrendado e cuidando de uma plantação para consumo próprio. Mas tem algo que, desde 2010, os enche de orgulho: serem voluntários do Produtor de Água do Rio Vermelho.

A iniciativa faz parte do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), do Sistema Autônomo de Água e Esgoto (Samae) de São Bento do Sul, criado em 2010. A iniciativa consiste em pagar aos produtores rurais voluntários uma porcentagem pelo trabalho de preservação realizado em volta do Rio Vermelho. Como explicou Paulo Schwirkowski, coordenador do programa e diretor de operações do sistema de esgoto sanitário do Samae, é uma compensação por um pedaço de terra antes utilizado para o plantio, mas que passa a ser usado para preservação.

Podem participar os moradores com propriedades na microbacia do Rio Vermelho. Segundo o edital, é uma área a partir da lagoa de captação de água, localizada no cruzamento das ruas Estrada Carlos Muhlmann e Estrada Francisco Wiecinovski até a nascente mais distante. Além de estarem inseridos na bacia, com a propriedade localizada antes da captação de água do Samae, o terreno deve estar no nome do interessado em participar e com a matrícula regularizada.

Rio vermelho na propriedade de Clovis e Anice (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

Clovis e Anice fazem parte desse contexto, com uma residência no bairro Rio Vermelho Povoado. Quem passar pela casa do casal nem consegue imaginar que um dia aquele corredor, hoje cheio de vegetação e árvores nativas, era usado para o plantio. E, apesar de parecer uma pequena mudança, deixar de plantar em 15 metros e reflorestar o espaço contribui muito para a qualidade da água. “Na época de replantio, fica a terra exposta. Vem a chuva e leva a parte da terra, e, antes, tudo isso acabava no rio. Agora não, isso fica parado no meio da vegetação, e o que chega no rio é praticamente água limpa”, explica Paulo.

É uma barreira natural contra os resíduos que poderiam parar no rio. Uma ação simples, combinando o plantio de árvores e a própria ação da natureza. “Nunca é 100% eficiente, mas é uma boa ajuda. E também serve como corredor ecológico. Porque os animais migram, vão de um lugar para outro, e eles evitam áreas abertas, né? Então, eles usam isso daqui como área de corredor mesmo”, complementa.

Essa é só uma das maneiras de os produtores rurais contribuírem. Também são implementadas ações como conservação de áreas com vegetação nativa, a restauração de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal e de áreas prioritárias para conservação dos recursos hídricos, bem como práticas de conservação em lavouras e pastagens.

Mata auxiliar na propriedade de Clovis e Anice (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

Outro exemplo é cercar em volta das nascentes, em locais onde possuem vacas ou gado por perto. Nesse contexto, cercar a nascente ajuda a manter a vazão de água dela. Rogério Pietrzack, engenheiro-agrônomo da Epagri, explicou que, muitas vezes, se o animal for até essa nascente beber água, pode acabar pisando no local e aterrando o olho d’água. “Não só isso, não é só pisoteio, mas ele começa a desmatar ao redor também, ele começa a deixar limpo e bate mais sol, acaba degradando aquela água e aquele olho da água acaba secando”, complementa. E, apesar de ser um fio de água, quando juntado ao fio de água de outros vizinhos, ajuda a formar o rio que abastece a cidade, como destacou o engenheiro.

No dia da visita da equipe de fiscalização ao produtor rural, era isso que Clovis estava mostrando: as nascentes. Contente, comentou como elas estão bonitas e bem cuidadas, e fez questão de mostrar cada canto da propriedade, sem se importar em passar pelas cercas ou as descidas íngremes. Afinal, como ele mesmo disse, é algo que gosta de fazer.

Nascente na propriedade de Clovis (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

A reportagem também está disponível em áudio. Confira:

Pensando no futuro


Engana-se quem pensa que o casal passou a pensar com essa mentalidade só em 2010. Anice comentou que já era uma realidade na família. “Eu achei que era bom [participar do programa]. Um dia a gente tem que pensar dos filhos, dos netos. Eles vão precisar de água um dia. Se o pessoal destrói tudo, nossa, a água está ficando fraca. Eu já penso assim, né? Está diminuindo”, citou.

Casal Anice e Clovis Flaukoski Wactawski (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

Eles não são os únicos a pensar assim. O processo para a água chegar até as residências começa na captação da água. O próximo passo é a adução, quando ela é transportada por tubulações ou canais até uma estação de tratamento. Depois, passa por várias etapas para garantir que fique potável e vai ser reservada para ser distribuída por uma rede de tubulações até as residências.

Mas, em São Bento do Sul, esse processo começa um pouco antes, sendo feito por várias mãos. O projeto que começou com 17 propriedades, hoje já está com 34. E, se em 2010 eram 500 hectares passando por essa proteção, hoje são 1.500. Isso representa quase 30% de proteção da bacia do Rio Vermelho, segundo Paulo.

Além de Anice e Clovis, quem participa desde 2010 da iniciativa é o casal Marlene Cziczek Muehlmann e João Carlos Muehlmann. O convite partiu de Magno Bollmann, na época prefeito e um dos idealizadores do projeto, e o casal decidiu participar por ver a importância do trabalho e saber que poderiam ajudar a aumentar a água das nascentes.

Assim como os Wactawski, os Muehlmann também já tinham noção de que preservar era o caminho para o futuro. Mas, ao entrar no PSA, essa visão foi ampliada. “Desde quando entramos no programa, mudou muito a nossa maneira de ver o meio ambiente. Cada árvore plantada nos mostra como a natureza nos retribui com flores, frutos e várias espécies de pássaros e animais que nos agraciam com suas vistas”, pontuou Marlene.

Na propriedade do casal, há plantação de milho na época de verão e, no inverno, aveia para reforçar a pastagem. Ainda mantêm colmeias pelo terreno, mas, hoje, é outro apicultor que cuida. Marlene reconhece que já havia percebido que seria necessário plantar árvores nos locais desmatados por eles mesmos. “E o programa não te tira liberdade de usufruir da sua propriedade, somente nos auxilia de como começar e ainda nos retribui financeiramente”, completa.

Propriedade de Marlene Cziczek Muehlmann e João Carlos Muehlmann (Foto: Divulgação)

Segurança hídrica


Paulo esclarece que a intenção não é impedir nenhum produtor de plantar no terreno. “Não precisa chegar aqui e falar que não pode mais plantar, não pode usar nada e vamos recuperar tudo. Não”, complementa, dizendo que, se cada propriedade estiver fazendo um pouco, no geral, o resultado é grande.

O programa, além de trabalhar com o reflorestamento e a preservação, traz segurança hídrica. Segundo Filipe Gonçalves, engenheiro sanitarista, se o manancial estiver saudável e com vazão suficiente para atender à população, automaticamente a disponibilidade hídrica será preservada.

A equipe avalia as nascentes da propriedade (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

O reflorestamento e o cuidado com as nascentes auxiliam na redução do assoreamento, ainda mais se existe uma mata auxiliar no entorno. A ação é visível na casa de Clovis. Uma cerca de arame divide o espaço reflorestado e o espaço com gado. É nítida a diferença, pois, em 15 anos, as sementes plantadas cresceram e a natureza fez a sua parte. “É um trabalho que a gente gosta de fazer, não é seguido, é aos poucos. É só deixar a natureza agir”, disse Anice.

Filipe mencionou que estudos de casos feitos Brasil afora demonstram que, em locais onde existem projetos semelhantes ao Produtor de Água Rio do Vermelho, a qualidade da água e a disponibilidade, principalmente em mananciais menores, são melhores. “Vem sendo cada vez mais comum ações como essa, como o Produtor de Água. Por exemplo, no litoral, a gente já tem alguns municípios que se preocupam com a questão da disponibilidade hídrica”, pontua. Ele exemplifica, falando de Balneário Camboriú, que realiza a captação no rio Camboriú. “Lá já tem o Programa Produtor de Água, visando preservar a quantidade de disponibilidade do manancial do rio Camboriú.”

O engenheiro sanitarista menciona também que a política pública pode ser difundida rapidamente, e esse é um dos pontos fortes. Mas, para ele, o ponto de dificuldade é ter um cadastramento de todas as nascentes no meio rural.

Desafios


Esse foi justamente um dos desafios do projeto no início. O PSA teve origem a partir da necessidade de cumprir um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) do Ministério Público Estadual e de regulamentação da Área de Proteção Ambiental Rio Vermelho/Humbold. O TAC respondia ao crime ambiental promovido pelo corte de três araucárias e outras quatro árvores nativas, sem licença ambiental, pelo Samae.

No começo os produtores ficavam com receio de participar. Afinal, como citou Paulo, era uma novidade e os moradores achavam suspeito o governo municipal oferecer dinheiro. Hoje é bem-visto pela população em torno do rio. E o desafio já não é mais conseguir pessoas para participar, e sim ter a verba para todos. No momento, a quantidade de propriedades a serem credenciadas está limitada à quantidade de recursos financeiros dedicados ao programa. Mas a expansão é contínua, segundo o coordenador, porém é de pouco em pouco. Por exemplo, em 2024 foram pagos R$ 110 mil aos produtores. Este ano, o valor pago será de R$ 130 mil. “Se fosse hoje bater de porta em porta, iria ter muitas propriedades, teriam mais de 50 com toda certeza.”

Mas existe uma limitação de recursos e de equipe. Afinal, o trabalho dos produtores precisa ser acompanhado, para ver se realmente estão com os cuidados em dia. Aos poucos, a equipe está crescendo e o recurso também, para que, assim, mais propriedades participem, ampliando a preservação e segurança hídrica do local.

Como funciona a fiscalização?


O projeto possui um Comitê Gestor do Programa Municipal de Pagamento por Serviços Ambientais, responsável também pela avaliação das propostas dos produtores. O comitê é composto por membros do Samae, Consórcio Intermunicipal Quiriri, representantes da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Epagri e Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente.

Nas fiscalizações, que acontecem pelo menos uma vez por ano, os membros do Samae e outros parceiros do comitê visitam as propriedades que fazem parte do projeto. Geralmente, são feitas duas visitas por dia. No local, eles acompanham o proprietário, que mostra o espaço, as melhorias, nascentes e a margem dos rios. A proprietária Marlene comentou que, para eles, a visita é importante para auxiliar com novas maneiras de continuar com a preservação.

Fiscalização na propriedade de Clovis e Anice (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)

É também a partir da fiscalização que os valores de pagamento são definidos. A tabela de pagamento considera o estado atual da propriedade, ou seja, o quanto de vegetação tem no local, quantas nascentes, a dimensão da propriedade e o cuidado geral com a propriedade. E avalia anualmente, conforme as melhorias são realizadas. Os contratos são realizados pelo prazo de um ano, podendo ser prorrogados por igual período por critério do Samae. Atualmente, o valor mínimo que uma propriedade pode entrar ganhando é meio salário mínimo. O salário mínimo está hoje em R$ 1.518; portanto, meio salário mínimo é R$ 759. “Mesmo que entre uma propriedade que tenha 500 m², ela vai ganhar meio salário mínimo. Porque, se eu for usar a tabela da avaliação, ela iria ganhar, tipo, R$ 20 por ano. Aí não adianta, ninguém vai participar”, explicou Paulo.

Já o valor máximo é de R$ 8 mil. O controle com valores máximos e mínimos existe para o programa contemplar todos os participantes. Mesmo que um morador comece com o valor mínimo, ele pode ir aumentando conforme as melhorias feitas na propriedade.

Para muitos proprietários, é uma boa ajuda financeira. Anice e Clovis comentaram que o valor ajuda com as despesas de casa. “Ainda dá para comprar uma coisinha meio diferente”, disse Clovis. Anice complementou, falando que o valor ganho pelo incentivo é maior que o aluguel do terreno arrendado. Além do valor financeiro, para os proprietários, existe também um valor gratificante, por saberem que estão contribuindo com o município.

Equipe do Samae e o engenheiro agrônomo na fiscalização (Foto: Larissa Hirt / A Gazeta)


Como participar
Interessados em conhecer mais sobre o PSA ou buscar informações sobre como aderir ao programa, devem entrar em contato com o Samae pelo telefone (47) 3631-3900 ou pelo e-mail atendimento@samaesbs.sc.gov.br.

Confira a reportagem em vídeo:

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