Quem passar pela casa de Gentil Postai vai perceber que ele tem algumas paixões: cavalos, chimarrão e a Itália. No escritório da residência, é possível ver imagens dos animais, cuias de chimarrão e itens que fazem referência à Itália. E não por acaso, afinal ele possui cidadania italiana e abriu as portas para a reportagem de A Gazeta conhecer mais sobre a sua relação com o país europeu e a imigração italiana no Brasil, que completa 150 anos.
De acordo com ele, para ter a cidadania italiana é necessário ser descendente de imigrantes. “Segundo a legislação italiana, entende-se como imigrante italiano aquele cuja passagem para vir ao Brasil foi paga pelo país da Itália, e não aquele que veio por conta própria”, explica, acrescentando que deve haver o registro no “livro grosso”.
Os bisavós de Postai vieram como imigrantes para o Brasil em 1875 e pararam no porto de Santos, depois de 30 dias de viagem, fora o embarque e desembarque. Decidiram vir para a América com a promessa de terras em abundância, ferramentas, sementes e cestas básicas para erguerem uma vida aqui. Na realidade, não foi bem assim. Ninguém os orientava e, quando foram fazer o câmbio do dinheiro italiano para o brasileiro, acabaram levando um golpe e ficando sem nada.
Depois disso, seguiram para o interior de São Paulo, trabalhar em uma fazenda de café. O salário não era muito, mas havia casa e comida, e, no momento, era o que bastava. Por lá, trabalharam durante dois anos, em 14 pessoas, para conseguir dinheiro e comprar duas juntas e um carro de boi. Após isso, vieram para Santa Catarina, que seria o destino desde o início. Gentil também relembrou as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes italianos durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a imposição de leis pelo governo Getúlio Vargas sobre o uso de idiomas estrangeiros.
Postai contou que seu avô foi vítima de abusos por não falar português. A mãe, na época com 14 anos, foi com o avô fazer compras, pois sabia falar minimamente o português. “Numa dessas vezes em que minha mãe foi dirigindo a carroça, de repente parou um jipe e perguntaram se ele sabia falar a língua oficial do Brasil”, relata.
Como não sabia falar, pediram para ele descer da carroça. “Um soldado em cada braço e um no pescoço. Pegaram a garrafinha de óleo de rícino, e a minha mãe chorando dizia: ‘Não faça isso com o meu pai’”, cita, dizendo ainda que o avô quase morreu.
Deveres e direitos
Gentil possui alguns deveres na Itália. Na semana em que A Gazeta esteve lá, Postai estava realizando a votação dos cinco Referendum italianos. Ele tem o direito de voto desde que fez a cidadania, há 12 anos. “A Itália não é a minha dupla cidadania. É a minha outra pátria, não é a segunda. Eu, estando aqui, a minha primeira pátria é a brasileira, e a Itália é a segunda. Mas, estando na Itália, a minha segunda pátria é a brasileira. É onde moro que vale. Os direitos que tenho lá na Itália são lá da Itália. Os direitos que estão aqui, estão aqui”, citou.
Os seus votos dizem respeito ao contrato de trabalho, direitos de quem está no exterior, renovações de contratos, normas de trabalho e cidadania. Esses votos, em papéis, são colocados em um envelope e entregues nos Correios.
Cultura italiana em São Bento
Apesar de ser mais vista a cultura alemã na cidade, Gentil acredita que a italiana é bem representada também. Nos últimos anos, ele se dedicou à preservação da cultura italiana em São Bento do Sul. Também estudou e foi atrás da história de seu povo. Ele já teve a oportunidade de estar na Itália algumas vezes e conheceu o consulado. É habilitado a lecionar língua italiana nos países que fazem parte da União Europeia, pois, através do consulado, estudou a língua em uma universidade italiana.
Além de ter ensinado o idioma para muitos alunos, foi um dos fundadores do Círculo Trentino da cidade e apresentou, por mais de uma década, um programa de rádio voltado à divulgação da música e cultura italianas. “Eu tenho aqui 400 CDs que comprava para tirar uma música, porque a rádio não tinha”, expõe.
Além da língua, valoriza a culinária como parte essencial da identidade cultural. Ele relembra receitas tradicionais trazidas pelos imigrantes italianos. Segundo Postai, essa transmissão de saberes, tanto linguísticos quanto culinários, é o que mantém viva a herança das comunidades de origem europeia no sul do Brasil.
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