Quinta-feira, 17 de abril de 2025

De fuga do leão à nascimento no circo: conheça a história da família Torricceli

Jaime e seus netos, instalados em São Bento, contam como é o dia a dia de quem vive do circo

• Atualizado 14 dias atrás.

Eles não têm um endereço fixo. Cada um nasceu em uma cidade diferente. No trabalho, cada um exerce uma função diferente. Mas então, o que os une? O laço familiar e o amor pelo circo. Assim vive a família Torricceli, onde avós, pais, filhos e genros levam entretenimento e alegria por onde passam.

Jaime Torricceli, de 65 anos, é o mais experiente da família, que possui 22 integrantes no circo. Sua mãe já foi dona de circo e sua história com essa arte vem desde os primeiros passos. Desde pequeno participava das atrações do circo, de onde foi aprendendo um pouco de cada, até constituir família e criar seu próprio circo.

Ele conta que já foi domador de leão, tigre, urso e elefante, já atuou como equilibrista, foi portô de trapézio (quem segura os artistas no salto), e também fazia papéis de teatro. “Hoje eu atiro facas e sou Toni, o palhaço. O que mais gosto é o Toni. Se você ver o sorriso da criança e do adulto que parece uma criança, é o seu ganha-pão. O sorriso deles faz você viver”, ressalta.

Hoje, o Circo Torricceli tem números de trapézio, malabares, contorcionismo, palhaço, globo da morte, táxi maluco, atirador de facas e de magias, como serrar uma mulher ao meio. “Temos dois ônibus que são camarins, de um lado os meninos e do outro as meninas. Os números difíceis treinamos todos os dias”, explica Jaime.

Com um público cada vez mais diversificado, os artistas precisam realizar adaptações aos números. “Estamos tirando os números mais barulhentos. Antes, tinham cinco ou seis bombas no táxi maluco, hoje coloca uma só, porque tem muito autista no circo. Hoje, nosso grande público está sendo de autistas. Quando tem, já avisa na frente e tiramos os barulhos, aí fica um espetáculo mais light. Tá vindo bastante (autistas), isso é muito bom! Para nós é muito bom, eles riem, participam e a gente fica muito contente”, citou.

O antes e o depois
Desde bebê inserido na arte circense, Jaime conta que a arte mudou muito de alguns anos para cá. “Antigamente não tinha TV nas cidades menores, não tinha cinema. Naquele tempo só tinha o circo. Quando a gente chegava na cidade com caminhão, a população vinha correndo atrás. A gente colocava perna de pau, fazia passeata até onde ficava o terreno e a população ia acompanhando. As escolas vinham ver a montagem do circo. Aí apareceu a TV e o celular. Não tem mais aquela grande expressão, mas continua tendo porque é ao vivo. Ainda tem essa magia”, frisa Jaime.

Outra coisa que mudou é o preconceito. Segundo ele, isso é algo que sempre existirá, mas que está caindo aos poucos. “Chamavam a gente de ladrão de galinha, porque os ladrãozinhos aproveitavam que a gente estava na cidade para roubar e colocar a culpa em nós. Hoje é cultura, até as universidades pegam o circo para fazer espetáculos. O preconceito vai existir eternamente. A gente sempre desvia, já sabe que tem esse preconceito e não liga, mas isso está caindo”, disse.

Fuga de leão e repercussão
Dentre tantas cidades e espetáculos, Jaime cita um que ficou marcado na sua carreira. O fato aconteceu há cerca de 20 anos, na cidade de Rio Negro. “Saímos de Campinas e fomos para Curitiba, fizemos uma temporada lá e depois fomos para Rio Negro. Tínhamos feito duas semanas de espetáculo, os leões trabalhavam na jaula. De noite, escutamos um barulho dentro do circo e não sabíamos o que era, mas alguém fez uma sacanagem e tirou os pinos da jaula. Fomos dar o espetáculo e tinha mais ou menos umas 600 pessoas, estava lotado o circo. Na hora que os leões faziam o salto por cima de mim, um deles se encostou na jaula, a jaula abriu e ele saiu”, conta.

Para proteção, Jaime tinha instalado uma segunda jaula entre os leões e o público, com cerca de 1,2 metro de altura. “Como ele foi na tela e não pode ir na plateia, saiu pelos fundos do circo. Fechei a jaula com os outros dois leões e saí atrás daquele leão. Ele tentou entrar na jaula, mas estava fechada. Segui o leão, era mansinho, mas tinha uns oito anos já, pesava quase 200 kg. Ele pulou o muro e correu, pulei e fui atras. Numa esquina, quatro quadras pra frente, coloquei uns cavaletes e fique ali até chegar a jaula. O povo não saiu, achou que fazia parte do espetáculo”, lembra Jaime.

A situação ocorreu em um tempo em que eram permitidos animais no circo, e ganhou repercussão nacional. “Ligaram para a polícia e para os bombeiros, saiu no Jornal Nacional e tudo. A polícia veio com arma, fuzil e tudo pra segurar o leão”, comentou.

Uma rotina bem diferente
Quem vive no circo não tem férias ou rumo certo. O trabalho é de segunda a segunda, preparando espetáculos e aguardando o público. “Na pandemia a gente quase morreu de tédio”, lembra Jaime. Naquele período, o circo ficou parado em uma cidade e os artistas precisaram trabalhar como caixas de posto de combustível, em mercados e até mesmo em uma empresa de freios.

Com uma grande estrutura, tudo precisa ser pensado para facilitar a logística de uma cidade para outra. “Temos uma logística de caminhões e carretas. Essa lona baixa em cima da carreta, as ferragens vão em outra carreta senão ultrapassa o peso permitido. As cadeiras, material do espetáculo vão nos ônibus, o palco é uma carreta, fecha as tampas, o globo vai desmontado. Todas as casas tem chuveiro, banheiro, tudo bem equipado e cada carreta leva uma casa. Cada um tem a sua”, explica.

Além disso, uma pessoa fica encarregada por ir até a próxima cidade verificar o terreno onde o circo se instalará, disponibilizando água, luz e toda a documentação necessária. “Aí ela vai nas escolas, arruma matrícula para as crianças do circo estudar. Quando o circo chega, no outro dia já vão estudar, pra não perder o dia”, disse Jaime. “Eu faço Jornalismo EAD. A gente queria algo que pudesse ser usado no marketing do circo. Faço as aulas pela internet e as provas faço nos polos que tem em várias cidades”, completou Maria Luisa, de 20 anos, neta de Jaime.

Legado adiante
Além de Maria, seu irmão Miguel, de 16 anos, apresenta espetáculos no circo da família. Ela faz um número de lira, que é um tipo de trapézio, além de pilotar uma das motos no globo da morte. “A gente aprende brincando, o palco é nosso quintal. Os adultos colocam pra brincar no trapézio e vamos brincando. Eu aprendi lira com 9 anos, minha mãe ensinou”, comentou Maria.

Já Miguel, o mais novo da trupe, adora estar em cima do palco. “Sou malabarista, equilibrista, trapezista, faço o globo da morte, ando de monociclo, tenho um número de equilíbrio com cilindros americanos, ajudo no estúdio, monto os aparelhos. Eu adoro o espetáculo, pra mim é a melhor parte!”, ressalta.

Pasa Maria, a vida no circo é algo gratificante. “O foco é fazer a empresa da família crescer. Queremos aprender sempre mais”, disse. “Tem gente que tem preconceito, acham que aqui é muito mais perigoso, mas todos são profissionais e sabem como fazer”, completou Miguel, falando sobre a atuação das crianças no circo.

Perguntado à Jaime se valeu a pena dedicar uma vida ao circo, a resposta foi rápida e sem dúvidas. “Valeu muito a pena! Conheci vários países, várias pessoas, o Brasil inteiro quase. Conheci o nordeste. Já foi no carnaval de Salvador?”, brincou. “O circo nasceu há mil anos antes de Cristo e eu acho que o circo nunca vai acabar”, concluiu Jaime.

Circo Torriccelli
O Circo Torricceli está instalado em um terreno nas proximidades da rótula do bairro Centenário. As apresentações ocorrem no sábado e domingo, às 17h30 e às 20h30.

Confira a reportagem em vídeo


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