Enxergar a ponta do lápis, conseguir ler, poder olhar para cima e ver as nuvens brancas, em meio ao céu azul em um simples dia de sol. Era o que sempre quis sentir Jéssica do Livramento, moradora do bairro Rio Vermelho Povoado, que desde a infância possui a Síndrome de Irlen, uma distorção na percepção visual, causada por um desequilíbrio de adaptação à luz.
Aos 6 anos de idade, quando entrou para escola, Jéssica começou a sentir as principais complicações por conta do distúrbio. “Minhas notas não eram boas, pois eu tinha dificuldade na leitura e muita dor de cabeça. Então minha mãe me levou para fazer os primeiros exames, como oftalmológico, tomografia e ressonância, mas não diagnosticaram nada. No começo, achavam que eu possuía dislexia. Depois, fiz novos exames em Joinville e até com autismo fui diagnosticada”, relatou.
Tentando levar a vida e durante anos buscando tratamento para uma doença que até então não era descoberta, ela iniciou no mercado de trabalho. “Eu comecei na indústria, mas não consegui me acertar pois vivia passando mal, então tive que sair do primeiro emprego. Eu não tinha mais visão lateral e a solução encontrada foi ir para Hospital dos Olhos, em Minas Gerais, mas nós não tínhamos dinheiro suficiente para arcar com os custos, então voltei a procurar trabalho e consegui um serviço de meio período na Agropecuária Tropilha, onde contei para o meu chefe sobre os meus problemas e ele me apoiou na busca pelo tratamento, junto com a família”, comentou.
A mãe de Jéssica, dona Gessilda do Livramento, conta que em novembro do ano passado a família vendeu os carneiros do qual tinha criação e juntou outras economias, mas o valor não era o suficiente para bancar os custos da consulta e viagem à Minas, que passavam de R$ 25 mil.
“Já chegando na época natalina, enquanto outras famílias já estavam iniciando suas comemorações, nós estávamos em casa chorando porque não tínhamos todo o dinheiro suficiente. Só lembro que meu marido chegou em casa e disse para gente se arrumar porque anjos teriam arrumado o dinheiro que faltava. Entramos em contato com o Hospital e agendamos a viagem para janeiro deste ano, pegamos o ônibus e atravessamos três estados. Ao chegar no local, a Jéssica fez novamente uma bateria de exames. Após nova consulta uma médica deu a ela um óculos com lentes específicas e foi ali que a emoção tomou conta, quando minha filha conseguiu ler, enxergar os objetos e paisagens”, conta a mãe.
A mãe e filha então voltaram para São Bento e com um custo de quase R$ 10 mil, Jéssica conseguiu juntar o dinheiro e comprar os óculos necessários para auxiliar na sua visão.
Candidata a rainha
Foi quando o preconceito e o bullying começaram a lhe afetar. “As risadas, ofensas e pessoas me criticando porque eu usava óculos em dias nublados, mesmo ficando abalada sempre me mantive forte. Então me candidatei à Rainha da Expoama, e ali muitas pessoas começaram a questionar minha participação no concurso, só que eu continuei, mesmo com toda a falta de respeito fui até o final”, conta.
Ao superar as críticas, Jéssica teve uma surpresa muito positiva. “No dia da eleição da realeza eu discursei e após descer do palco, uma mulher foi até mim e disse que a filha dela, que era cadeirante, queria fazer uma foto comigo. Aquilo me emocionou e foi um dos momentos mais gratificantes na minha vida”, disse.
Faculdade
Com a dedicação ao trabalho, ela conseguiu adquirir sua carteira de habilitação e agora está estudando para o Enem, se preparando para entrar na faculdade já no próximo ano, onde pretende cursar Medicina Veterinária. “Se alguém quiser entrar em contato comigo estou à disposição pelo celular 98800-2084, pois quero ajudar outras pessoas que às vezes também estão sofrendo com esse problema. Agradeço minha família, médicos e todos que me ajudaram durante esses anos,”, finalizou.
Sobre a Síndrome
A Síndrome de Irlen é uma distorção na percepção visual. Embora seja pouco conhecida no Brasil, a incidência é grande: em 100 pessoas, 22 apresentam distorções ou desconforto na leitura. De acordo com a psicopedagoga Patrícia Berkenbrock Valandro, a Síndrome não é diagnosticada em exames oftalmológicos de rotina, apenas com um teste específico aplicado por profissionais treinados.
“A síndrome começa a ser percebida principalmente quando a criança entra na idade escolar e mostra algum comprometimento no seu processo de aquisição da leitura e da escrita. A identificação precoce e a implementação de estratégias apropriadas de aprendizado permitem a integração e o desenvolvimento dos talentos inatos de cada criança”, explicou.
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