A superdotação, frequentemente romantizada como sinônimo de genialidade, ainda é envolta por mitos que dificultam o reconhecimento de suas complexidades. Por trás de um desempenho acima da média, pode haver sofrimento psíquico, dificuldades de pertencimento e problemas emocionais que acompanham tanto crianças quanto adultos com altas habilidades.
Nos últimos dias, o tema voltou ao centro das atenções após o humorista e influenciador Whindersson Nunes revelar em entrevista ao Fantástico que recebeu o diagnóstico de superdotação. Segundo ele, essa descoberta ajuda a compreender sentimentos antigos de inadequação e as crises depressivas que enfrentou ao longo dos anos. “Desde criança me sentia diferente”, contou.
O depoimento ganhou repercussão nas redes sociais e ampliou o debate sobre como a superdotação é percebida — e muitas vezes, negligenciada — no Brasil. A discussão também se conecta ao calendário: o Dia da Superdotação, ou Dia Internacional da Pessoa com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), celebrado em 10 de agosto, que visa conscientizar a sociedade sobre os desafios enfrentados por esse grupo.
“A superdotação não é um superpoder. É um funcionamento neurológico atípico que precisa de compreensão, apoio e adaptações — não de expectativa de perfeição”, explica a psicóloga Laís Mutuberria, especialista em neurociência do comportamento e saúde mental.
Características da superdotação
Segundo Laís Mutuberria, o termo mais adequado atualmente é “altas habilidades/superdotação” (AH/SD). Ele se refere a pessoas com desempenho significativamente acima da média em uma ou mais áreas específicas, como raciocínio lógico, criatividade, linguagem ou liderança. É importante destacar que esse diagnóstico não implica em habilidades acima da média em todos os aspectos da vida.
As altas habilidades fazem parte do espectro da neurodivergência — conceito que abrange funcionamentos neurológicos diferentes do padrão considerado “neurotípico”, como no caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). No entanto, por estar frequentemente associada a traços considerados positivos na sociedade, essa condição tende a ter suas dificuldades emocionais e adversidades psíquicas negligenciadas ou subestimadas.
“Acredita-se que pessoas com altas habilidades não precisam de ajuda. Mas muitas sofrem com alto nível de sensibilidade, hipervigilância, pensamento acelerado e consciência ampliada, que podem gerar angústia existencial precoce, com insônia, sensação de inadequação e dificuldade de pertencimento”, afirma a psicóloga.

Impactos da superdotação
Além da rapidez cognitiva, quem tem altas habilidades costuma ser emocionalmente intenso. “É como se pensamento e sentimento estivessem em volume máximo, o tempo todo. Essa intensidade pode ser avassaladora — tanto para quem vive quanto para quem convive”, explica Laís Mutuberria.
O impacto pode ser grande, especialmente quando não há um diagnóstico ou suporte adequado. “Crianças mal compreendidas desenvolvem ansiedade, depressão, conflitos com professores ou simplesmente param de se interessar pelos estudos. Já adultos não diagnosticados convivem com a frustração constante, perfeccionismo paralisante e até isolamento social”, alerta.
A psicóloga explica que o alto desempenho em áreas específicas pode mascarar déficits em outras, como dificuldades com organização, habilidades motoras, sociabilidade e, por não se enquadrarem na imagem idealizada de um superdotado, essas pessoas acabam sendo mal conduzidas e muitas vezes ignoradas.
Diagnóstico e suporte
A identificação da superdotação deve ser feita por equipe multidisciplinar, com testes psicológicos, avaliação emocional e observações em diferentes contextos. O tratamento, por sua vez, nem sempre é medicamentoso, já que não se trata de uma doença ou transtorno — mas de um modo atípico de funcionamento cerebral.
Para auxiliar essas pessoas, é necessário oferecer:
- Psicoterapia especializada;
- Ambientes educacionais adaptados;
- Estímulo à regulação emocional;
- Espaços de pertencimento, como grupos e mentorias;
- Ações de autocuidado e práticas como meditação e esportes.
“É preciso ampliar nosso olhar para além das dificuldades tipicamente reconhecidas como negativas. Quem apresenta desempenho acima da média também pode carregar sofrimentos invisíveis — e igualmente merece cuidado e acolhimento”, conclui Laís Mutuberria.
Por Annete Morhy
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