Sábado, 7 de junho de 2025

Perda de atenção na infância pode ser TDAH

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• Atualizado 10 anos atrás.

Aos 9 anos, Thiago Trevisan não queria mais ir para escola. O principal motivo era a chacota – ou bullying – que ele sofria por parte de alguns colegas em sala de aula, devido a sua dificuldade de atenção. Em geral, ele era o último a concluir os exercícios e, em casos como redações, enquanto o restante da turma concluía o trabalho, Thiago ainda estava na terceira linha. Preocupada, a mãe, Cláudia, resolveu buscar ajuda profissional para descobrir o que ocorria com o garoto. O diagnóstico foi uma sigla: TDAH, que significa Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

O TDAH, como o próprio nome diz, é um transtorno neurobiológico crônico, que se caracteriza por desatenção, desassossego e impulsividade. Esses sinais devem obrigatoriamente manifestar-se na infância, mas podem perdurar por toda a vida se não forem devidamente reconhecidos e tratados. “É uma doença crônica, ou seja, que não tem cura. O avanço nas pesquisas de neurociência nos permitiu conseguir cada vez mais diagnosticar essa doença”, diz a psicopedagoga Patrícia Berkembrock Valandro. O distúrbio afeta de 3% a 7% das crianças em idade escolar, e sua prevalência é maior entre os meninos.

A dificuldade para manter o foco nas atividades propostas e a agitação motora que caracterizam a síndrome podem prejudicar o aproveitamento escolar e ser responsável por rótulos depreciativos, que não correspondem ao potencial psicopedagógico dessas crianças. “O Thiago era muito dispersivo, mas sempre teve excelentes notas”, comprova Cláudia.

TDAH, apesar da sigla ainda ser pouco comum, não é uma doença nova. Já foi descrita em meados do século 19, e sua frequência é igual em todo o mundo. Em todas as faixas etárias, portadores do transtorno estão sujeitos a desenvolver comorbidades, isto é, a desenvolver simultaneamente distúrbios psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Na adolescência, o risco maior está no uso abusivo do álcool e de outras drogas. Por isso, quando mais precoce for o diagnóstico, maior probabilidade de ter uma vida normal o portador do TDAH terá. “Hoje as pessoas em tratamento, seja via terapia ou medicação, têm uma melhor qualidade de vida”, atesta a psicopedagoga.

Diagnóstico e um remédio chamado Ritalina

Ao sentir as dificuldades de Thiago na escola, a são-bentense Cláudia Trevisan procurou inicialmente a psicopedagoga Patrícia Berkenbrock Valandro, e o diagnóstico da profissional apontou o TDAH. “Ele tinha todas as características de quem tem o transtorno. Ele perdia o foco com muita facilidade, ficava irritado, era disperso”, recorda a mãe. “Eu não conseguia prestar atenção enquanto a professora explicava, se alguém derrubava um lápis, aquilo me chamava mais a atenção, sempre tinha algo que me tirava o foco”, reconhece Thiago, hoje com 14 anos.

Diagnosticado, Thiago foi então encaminhado para o atendimento de uma neuropediatra, que indicou o metilfenidato − a popular Ritalina. “O remédio funcionou na hora, assim que ele tomou o primeiro comprimido”, recorda Cláudia. A medicação foi administrada diariamente ao longo dos últimos quatro anos e, desde janeiro, ele toma o comprimido apenas de forma esporádica. “Com o passar do tempo, ele aprendeu a ter foco, a se organizar e a criar uma rotina de vida”, explica a mãe. “Minha agenda sempre era vazia, eu ia deixando as coisas para depois e quase sempre eu tinha que ligar para colegas pedindo as coisas da escola”, revela Thiago. Agora, a Ritalina é usada apenas em ocasiões especiais, como em dias de prova ou que requeiram maior atenção de Thiago.

Salto no consumo

O TDAH é um dos raros casos em que a medicação para tratá-lo é mais conhecida do que a própria doença. Prova disso foi o salto do uso da Ritalina nos últimos 10 anos, que cresceu 775% no Brasil. Patrícia alerta que o crescimento deve-se mais às descobertas do TDAH, ao conhecimento e à autoidentificação da doença do que ao diagnóstico errado. “Para se chegar a um diagnóstico preciso, é necessário analisar uma série de fatores, como o comportamento em casa, na escola e na vida social. Após cruzar todas essas informações é que se estabelece se a pessoa é portadora de TDAH”, explica Patrícia.

Apesar de ser mais comum em crianças e jovens, adultos também são diagnosticados com o transtorno. Um exemplo ocorreu na própria família Trevisan. “Quando falei para o meu marido que o Thiago havia sido diagnosticado com TDAH, ele não acreditou, achou que era o Thiago que era pouco cobrado, foi quando pedi para que ele conversasse diretamente com a Patrícia. Quando voltou, disse que também tinha TDAH”, explica Cláudia, ressaltando que o marido Maurício também teve dificuldades de atenção na infância e hoje destaca-se na área criativa – ele é formado em design e atua em uma grande empresa são-bentense. “Ele toma Ritalina esporadicamente, antes de alguma palestra ou algo que necessite maior atenção” diz Cláudia.

O que é?

Ritalina é um medicamento que modifica a função cerebral e aumenta a disponibilidade de dopamina, neurotransmissor responsável por muitas funções do comportamento humano, como o humor, o prazer e o controle dos impulsos. Hoje, a substância é usada essencialmente para o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Os sintomas do transtorno são desatenção, a dificuldade de manter o foco e a concentração nas atividades, e a hiperatividade, manifestada pela inquietude e impaciência.

“Eram considerados como pessoas com falta de educação”

O TDAH é conhecido há mais de 40 anos, mas foi somente na última década que diagnósticos mais precisos surgiram, o que elevou o número de pessoas portadoras do transtorno e que fazem uso da medicação. A neuropediatra Viviane de Macedo Carneiro é uma das profissionais que atua diretamente com portadores do transtorno em São Bento do Sul.

AG − Como é feito o diagnóstico de TDAH?
Viviane − O diagnóstico do TDAH é fundamentado na avaliação do comportamento do paciente em todos os ambientes que o mesmo frequenta. Para isso, são realizadas entrevistas com a família, avaliação do paciente em consultório e solicitação de relatórios da escola e de outros profissionais que tenham contato com o mesmo. Na entrevista com a família, avaliamos a presença de outros casos entre parentes próximos, fatores de risco, antecedentes pessoais, o que motivou a consulta, se é mais a desatenção, a hiperatividade ou ambas e, principalmente, buscamos saber desde quando a família observou os sintomas e em que situações eles ocorrem. Para se considerar o diagnóstico de TDAH, é necessário que os sintomas ocorram em todos os locais que o paciente frequenta e é esperado que os sintomas piorem em situações de estresse. É muito importante excluir a possibilidade de que a desatenção e a hiperatividade sejam secundárias a um transtorno de conduta ou a um transtorno opositor desafiante. Em muitos casos, são necessárias avaliações complementares com profissionais da área de psicologia e psicopedagogia.

AG − Por que nos últimos anos houve um aumento no número de casos? É um distúrbio novo ou a ciência que aprendeu a reconhecê-lo?
Viviane − O TDAH já é conhecido e estudado há mais de 40 anos. O número de casos não tem aumentado. O que ocorre é que hoje a população tem um maior conhecimento sobre a doença e maior acesso a profissionais que estão habilitados para reconhecer a patologia, aumentando assim os casos diagnosticados. Casos esses que antigamente eram considerados como pessoas com falta de educação, falta de interesse ou de limites.

AG − Em termos de região, temos muitos casos registrados?
Viviane − A prevalência do TDAH é estimada em torno de 3 a 7% nas crianças em idade escolar, sendo mais frequente em meninos do que em meninas, com uma relação de 2/1. Na nossa região, podemos observar que os números da patologia se assemelham à média mundial.

AG − É mais fácil de reconhecê-lo em crianças e jovens?
Viviane − O TDAH é mais fácil de ser reconhecido em crianças e jovens porque nessa idade os sintomas apresentados pelos pacientes causam comprometimentos importantes na vida acadêmica e no convívio social dos seus portadores, levando os pais a procurarem ajuda para seus filhos. Sabe-se que de 10 a 60% dos casos de TDAH podem persistir na fase adulta, porém os adultos são mais resistentes a procurar ajuda e reconhecer que necessitam de tratamento adequado, muitas vezes atribuem seus sintomas ao estresse, a problemas familiares ou ao trabalho.

AG − Sempre é necessária a medicação Ritalina ou já há outras formas de se tratar o TDAH?
Viviane − O mais importante, algo que deve ficar claro para a família e para o paciente, é que se trata de um problema crônico, e que o objetivo do tratamento não é curá-lo, mas reorganizá-lo e viabilizar um comportamento funcional satisfatório na família, na escola e na sociedade. O tratamento deve ser multifatorial e interdisciplinar, além de planejado individualmente. O manejo do caso de TDAH deve ser dividido em 4 itens importantes: modificação do comportamento, ajustamento da escola, atendimento psicoterápico e terapia farmacológica. O tratamento medicamentoso inclui o metilfenidato (Ritalina) e outras medicações como a imipramina e a amitriptilina. Na maioria dos casos, é necessária a introdução da medicação como parte do tratamento, mas, em algumas situações em que o diagnóstico é estabelecido precocemente e o paciente é bem-conduzido por um profissional da área da psicologia, com apoio escolar e familiar, podemos adiar o uso, usar doses mais baixas e por um tempo menor ou até mesmo não necessitar introduzir a medicação. Estudos mostram que o estabelecimento de uma rotina familiar adequada, alimentação saudável e exercícios físicos são essenciais para o tratamento do TDAH.

AG − O não tratamento, ou tratamento incorreto, pode agravar o quadro de TDAH?
Viviane − Pacientes com TDAH têm alto risco para mau rendimento escolar, dificuldade de relacionamento, delinquência, acidentes de automóvel, abuso de álcool e drogas, dificuldades profissionais. Essas situações podem ser prevenidas ou melhoradas com o tratamento correto.

AG − Em caso de uso da Ritalina, ele será contínuo ou é possível deixar de usá-lo em caso de melhora?
Viviane − O uso da Ritalina, na maioria dos casos, não é contínuo. Sempre fazemos tentativas de retirar a medicação e observamos se ocorre queda no rendimento escolar ou prejuízo do convívio social, caso ocorram, a medicação é reintroduzida.

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